ELIANE HAAS

ELIANE HAAS

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sábado, 8 de agosto de 2020

A IMPECABILIDADE DA PALAVRA - primeiro compromisso tolteca

 “Ser impecável com a própria palavra é empregar corretamente a sua energia e usá-la na direção da verdade e do amor por você mesmo” – Don Miguel Ruiz – Os Quatro CompromissosToltecas 

Desde que aprende a falar, o ser humano utiliza as palavras exaustivamente, falando por falar, na maioria das vezes dizendo coisas sem significado e importância. Apenas pelo gosto de não precisar se confrontar com o seu tagarelar mental e não se sentir sozinho consigo mesmo, confrontando-se com um vazio que lhe parece sem sentido.

Então entrega-se a um passatempo que vai do inútil “jogar conversa fora” até a nociva fofoca. Disseminar informações cuja veracidade não podemos comprovar ou, pior, que absolutamente nada acrescentam em benefício de quem quer que seja, é uma das piores formas de envenenamento mental através da palavra. Envenena também porque influencia, com a palavra descuidada e leviana, a opinião de terceiros. Conquistar a opinião de terceiros significa o apoio para o próprio ponto de vista que nos confere a ilusão de engrandecimento e poder. 

A Palavra é um atributo da mente humana, única espécie capaz de se manifestar, comunicando e expressando uma intenção.
Impecável é uma palavra com origem latina – impecabille - cujo significado é “incapaz de pecar”. 
A palavra pecado deriva do latim ‘
peccatum, i’ , que significa “delito”(do verbo ‘pecco, as, vi, ātum, are’), tropeçar , dar um passo em falso, enganar-se. Em grego é “hamartia” - errar o alvo, sair da rota. 

Impecabilidade significa “sem pecado” Então, a Impecabilidade da Palavra seria a capacidade de utilizarmos esse maravilhoso instrumento à serviço do melhor nível que o nosso caráter possa atingir e não contra nós mesmos – que é o alvo onde refletem todas as nossas intenções e ações .

A linguagem verbal, como manifestação do pensamento racional, é o principal instrumento de comunicação da mente humana. Instrumento que, devido a conotações subjetivas dá origem a mal-entendidos, mas, ainda assim, tem sido extremamente útil como expressão do conhecimento.

A existência de uma suposta “palavra de Deus” é uma consideração bem recente na História da humanidade. Embora os Vedas sejam reverenciados como uma escritura sagrada, ninguém considera que tenham saído, literalmente, da “boca” divina. O verdadeiro livro Divino, dada a extrema complexidade não linear da Manifestação Universal, não caberia nas limitações da comunicação verbal. Sua linguagem é simbólica. O “livro” é a própria Natureza Cósmica.

Na área devocional o ser humano tem, desde sempre, se utilizado da palavra para melhor canalizar e expressar suas emoções, chegando ao ponto de  materializa-las com mais eficiência. Bênçãos e pragas pertencem a todas as culturas.

A vivência comprova que, quando focalizamos nossa mente em algo, e a isto somamos o sentimento e a emoção para finalmente expressá-lo verbalmente, estamos exteriorizando e materializando um Poder capaz de afetar a dimensão material densa.

As tradições espirituais do Hinduísmo e do Budismo utilizam mantras como técnica meditativa para alcançar determinados estados mentais. Já a yorubá, que tem suas raízes na mais remota antiguidade e foi, até os últimos séculos, exclusivamente oral, utiliza três modalidades principais que poderíamos denominar genericamente “rezas”:Oriki (invocação),Adura (louvação) e Ofó (encantamento).

A intenção dos Oriki e Adura é facilitar a conexão com o Divino. O Ofó (encantamento) direciona uma intenção. Considerando a boca um dos mais potentes transmissores de energia, o Ofó pronunciado e acrescido de elementos de magia dos diversos elementos da Natureza tem grande poder de concretização.   

Diante da energia liberada em cada palavra que pronunciamos, podemos nos conscientizar de que elas afetam não só a quem as dirigimos, como também a nós mesmos. Alguns psicólogos chegam a afirmar que “tudo o que dizemos aos outros, primeiramente estamos dizendo a nós mesmos”.

Em decorrência desse enorme Poder, é importante essa conscientização da influência da palavra tanto para o Bem como para o Mal, pois pode se tornar um veículo de Justiça ou de Manipulação. Promove tanto a Conciliação quanto alimenta o Conflito.

Expressão do nosso livre arbítrio, ela é capaz se mudar nosso destino e o de nações inteiras.

Se por um lado a Palavra, como fonte sublime da poesia, atinge o auge da expressão da inteligência, sensibilidade e criatividade da nossa espécie, pode se tornar também um perigoso instrumento escravizador.
Como vemos no mito bíblico da Torre de Babel, a palavra mal empregada tornou-se um obstáculo ao entendimento, promovendo guerras. A palavra não só liberta, como também é capaz de captar ideias à ponto de transformá-las em agentes da mentira e da opressão. 

Palavra Impecável é a que só transmite aquilo em que se acredita, ou seja, a sua própria Verdade, uma vez que esta, fora da realidade factual, é opinião relativa e depende do foco.

Opinião é apenas opinião e raramente nos deparamos com a Verdade absoluta, mas apenas com opiniões. A Verdade não precisa de quem a defenda e dispensa que se diga : eu estou certo e vc errado.
Este primeiro Compromisso é talvez o mais difícil de ser honrado e interage com todos os outros. Por isso, é importante que atentemos para o mau uso da Palavra, que pode requerer muitas frases para construir algo positivo e uma única para tudo destruir.
A motivação inconsciente por trás do ego é estar sempre fortalecendo a imagem que paulatinamente construímos de nós, pois todas as suas atividades são governadas pelo medo de não ser alguém.

Na esfera cotidiana podemos considerar a mente  como um terreno fértil onde sementes são plantadas continuamente. O seu desabrochar só depende de nós.

Segundo os estudos de Eric Berne que geraram a Análise Transacional, o estado de consciência denominado Ego Pai é formado a partir das primeiras influências de pais/cuidadores da criança não só através de gestos e atitudes, mas grande parte também através de normas, valores, conceitos, regras e programas de conduta expressados verbalmente. Assim se formam opiniões, ideias e (pré)-conceitos emitidos e replicados ad infinitum. A pessoa acaba – sem refletir se naquilo acredita ou não – repetindo o que, durante anos, ouviu. 

O medo, que é o ponto central do nosso drama terrestre - que é o medo da não existência, a dor da própria finitude, de saber que nenhuma forma é permanente e que tudo e transitório. 

Impecabilidade é ser coerente perante a Verdade do seu coração. É ter a idoneidade de assumir a responsabilidade por todos os atos, sem se julgar ou culpar, sem atribuir culpa a outras pessoas ou a fatores externos.

Ser impecável é amar e respeitar a si próprio, pois a auto-rejeição significa a destruição da própria vida. 

No nosso Trabalho com o primeiro Compromisso Tolteca à Luz da Ayahuasca contamos com seu Poder Aliado para detectar, reconhecer e começar a superar toda a nossa falsidade em torno da utilização da Palavra, como primeiro passo para a Libertação rumo a uma vida mais pacificada – e agradável. 

No decorrer da vida, palavras capazes de captar nossa atenção vão nos influenciando, podem alterar nosso posicionamento no mundo e também influenciar outros.

Não há possibilidade de Iluminação, ascensão espiritual (ou como é moda se dizer hoje em dia: mudar o DNA ) se não nos libertarmos desses padrões de comportamento – a começar pela Impecabilidade da Palavra – reflexo do medo atávico.

Não há passe de mágica para transcender esse nível de falsos condicionamentos que fazem da nossa estadia neste planeta uma batalha incessante que só nos leva a frustração e ao sofrimento. 

Por ser tão difícil limpar o veneno emocional de toda uma vida programada pela insegurança e pela auto-rejeição, a Ayahuasca pode ser um valioso instrumento de trabalho para uma clara autoanálise. Se existir, evidentemente, o desejo sincero de se entregar a essa empreitada.


Com a finalidade de autoexame se reconhecendo dentro da nossa mais profunda intimidade, examinamos alguns pontos recorrentes: 

Mal entendidos - com relação as palavras vem do fato de pensarmos que ao vincularmos um termo a uma determinada coisa, captamos o seu significado e sabemos o que ela é. No entanto, essa palavra é apenas um rótulo. Rótulos verbais tornam a realidade mais superficial e vazia, podendo transmitir informação, mas nunca pleno conhecimento.

Ofensas - ser impecável com a palavra significa, em primeiro lugar, não revertê-la contra si mesmo. Se a palavra ofensiva contra mim chega ao ponto de me ofender, é porque me identifico emocionalmente com ela. Estou dando crédito e me envenenando com essa energia. Da mesma forma, se me deixo empolgar com elogios que me envaidecem, mas que, na verdade, bem sei que são desproporcionais e  não  correspondem a realidade que só eu conheço. Há que ter cuidado com as palavras alheias para que não se incorporem ao nosso sistema de crenças.

Críticas – como o ego está permanentemente lutando pela sua sobrevivência e supremacia, precisa se fortalecer. Esse fortalecimento depende do seu oposto: o outro, o “oponente inimigo”. Dentro desse padrão egoico da consciência surge a compulsão de diminuir, de encontrar defeitos nos outros a fim de ganhar força e superioridade. É preciso que se atente para comentários “inocentes” que mencionam fatos ou aspectos desabonadores a respeito de terceiros, por vezes até exprimindo falsa simpatia, enquanto a intenção oculta e real é revelar a inferioridade do outro para salientar a própria superioridade.

Incoerência – dizer uma coisa e fazer outra. Acaba com a credibilidade, gerando descrédito e desrespeito. A Palavra Impecável assume responsabilidade por suas convicções e só promete o que tem certeza de poder – e querer – cumprir.
Pregar um princípio e defender atitudes contrárias com dois pesos e duas medidas faz a pessoa sustentar o protecionismo do “ aos meus, tudo; aos outros, nada”.

Reclamações - esse padrão aplica rótulos negativos a situações ou pessoas, com a intenção e se justificar ou se engrandecer. É óbvio que não se trata aqui de se manter passivo e tolerar situações inadequadas ou ofensivas. Mas tudo depende de como essas falhas são apontadas. Neste caso elas serão objetivas, impessoais e direcionadas para a mudança em questão - e não voltadas para o ataque pessoal.

Queixas – quase sempre acompanhadas de ressentimento vitimizador, com pessoal / falsa(?) interpretação de fatos , a projeção de uma mente condicionada a ver inimigos por toda parte, para justificar seus fracassos e poder se colocar como certa e superior. Pode descambar para a raiva, que vai ruminando o diálogo interior e acaba envenenando a pessoa que, no final, até se perde de onde tudo começou.
De toda forma, elas sempre buscam nutrir um sentimento de superioridade, pois nada fortalece mais o ego do que estar “certo”.
Toma por verdade e compartilha informações que alguém afirmou sobre um terceiro, deturpando-lhe a palavra que, à custa de repetição cria um rótulo que acaba se aderindo a pessoa e se torna "verdade" oficial de um personagem.

Tagarelices - identificadas com o fluxo incessante da Mente que não quer calar, transmitindo pensamentos compulsivos, pois parece se sentir incomodada com a própria Presença. Precisa fugir do confronto com o mistério da sua própria solidão. Não tendo algo relevante a ser dito, apenas se distrai com o ruído da própria voz e as sucessivas cascatas de relatos e comentários sem conteúdo importante. Conhecido como “jogar conversa fora”.

Fofocas – a satisfação em mostrar que “sabe” o que o outro desconhece, que vai passar uma informação, dar uma notícia, não importa se boa ou má. Pode vira acompanhada de um falso tom de compaixão ou solidariedade, mas bem no íntimo carrega em si uma crítica velada e a sensação vitoriosa de “comigo não aconteceu” , colocando-se numa posição de vantagem.
Insinua-se como veneno sorrateiro até usando como alvo pessoas que diz amar, pois a intenção primordial é captar a atenção e a aprovação de quem ouve.
Pode conter os elementos ciúme e inveja. Se alguém tem mais ou sabe mais, nosso ego se sente ameaçado, diminuído e procura se recuperar menosprezando e reduzindo o valor da capacidade do outro. Tenta depreci-a-lo aos olhos dos demais.
Toma por verdade e compartilha informações que alguém afirmou sobre um terceiro, deturpando-lhe a palavra original que, à custa de repetição cria um rótulo que acaba se aderindo a pessoa e se torna "verdade" oficial de um personagem.

Feitiços – comentários e opiniões emitidas por pessoas que prezamos já geram, por si, influência. Muitas vezes uma palavra tendenciosa já é suficiente para captar nossa atenção à ponto de mudar o nosso foco e alterar os fatos. No momento em que nela acreditamos sem examinar outros aspectos, ela se perpetua como parte do nosso sistema de crenças, transformando-se em veneno. Daí a importância da imparcialidade. Á partir de um certo nível de Consciência emancipada, já passam a ser nocivas as associações de natureza “tribal” como ideologias, partidarismos e demais corporativismos próprios da mente adolescente, à moda do “um por todos, todos por um”.

Xingamentos – é mais um rótulo sobre pessoas e situações que exprime nossa necessidade de triunfar. Linguagem chula e palavras de baixo calão são a expressão mais primitiva de quem não tem o que argumentar e são incompatíveis com a boca que se propõe comunicar com o Divino. Verbalizar reforça a intenção e acessa o pensamento, dentro do campo energético correspondente.

Esses pontos recorrentes são uma sugestão e permanecem em aberto para outras questões que eventualmente surjam no prosseguimento desses estudos. 

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