ELIANE HAAS

ELIANE HAAS

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O SAGRADO FEMININO SOB A ÓTICA DE IFÁ

Os Orixás são considerados nossos genitores, uma vez que associados a elementos cósmicos ou à natureza. Dessas energias que interagem e se entrelaçam, emanam as formas materiais que abrigam a nossa existência individualizada na Terra.
O Poder Feminino foi, desde que o ser humano tomou consciência de si, associado à capacidade de criar e destruir a Vida, reverenciado como controlador das grandes energias sobrenaturais. Suas imagens, sob diversas formas, são as primeiras manifestações artísticas nos sítios arqueológicos desde o Paleolítico, sempre representando a fertilidade e primeiro contato do ser humano com o Divino.
A Terra precisa ser aguada constantemente, recebendo o “sangue branco”- a chuva - para propiciar nossa alimentação e sobrevivência. Então a MãeTerra – na cultura africana conhecida por vários nomes, sendo o mais popular atualmente, Onilé - passa a ser reconhecida como organismo vivo e cultuada como Divindade.
Ela é agba-nla , a grande cabaça doadora de Vida que precisa ser sempre ressarcida, pois o equilíbrio é mantido através de um constante sistema de compensação. Alimenta-se dos corpos mortos para que lhe seja restituída a capacidade geradora. Restituição e renascimento são a espinha dorsal dos ensinamentos de Ifá, que por sua vez sustentam a concepção yorubá das relações entre o orun (o universo espiritual) e o aiye (a manifestação material).
Então, iku (a morte) restitui à Terra o que lhe pertence, permitindo, assim, os renascimentos e, sob esse aspecto, seria simbòlicamente importante como instrumento de restituição de asé (energia vital.)
Toda restituição demanda destruição da matéria individualizada que, uma vez reabsorvida, vai nutrir a massa geradora, restauradora de asé – num ciclo contínuo que perdurará enquanto o planeta existir.
Sendo a Terra aquela que, desde os primórdios, tudo vem testemunhando e até hoje nada acontece fora da sua presença, costuma-se realizar pactos em Seu nome e a esse testemunho recorremos quando nos sentimos injustiçados.
Talvez esteja nessa necessidade imperiosa de ser constantemente ressarcida e aguada para poder procriar com abundância, a razão da ambigüidade do Poder Feminino, tão freqüentemente expressada em mitos e rituais de vida e morte. Daí a importancia da ancestralidade, que é a corrente que garantiu a continuidade da nossa existência na Terra. Os renascimentos dependem dos ancestrais e sua matéria de origem é a lama.
Logo após o Neolítico, ou seja, no início da Idade dos Metais, na transição quando o nômade caçador se estabelece como agricultor e funda os primeiros agrupamentos humanos, a Divindade Feminina responde por todos os processos da nossa existência neste planeta.
Com o estabelecimento e a posse da terra, a sociedade torna-se patriarcal /patrilinear e clãs familiares são fundados e chefiados por linhagens masculinas e as mulheres vão perdendo o seu poder. Segundo os mitos, Ogun - a tecnologia – teria arrebatado a liderança, numa disputa com todas as iyabás (Divindades femininas), com o auxílio de Elegbara, Orunmila e Sango.
Antepassados divinizados assumiram papel de divindades primordiais e houve uma redistribuição de tarefas entre os inúmeros Orixás. Aí começa a fase patriarcal na história da humanidade.
A sacralidade da Terra e tudo o que nela vive, é o ponto de partida da concepção yorubá do mundo.
Mesmo conscientes da existência de um Poder Universal Absoluto (Olodumare) que rege todas as galáxias no céu e as próprias Divindades na Terra (Orixás), essas energias da natureza que nos tocam e influenciam o nosso cotidiano é que são cultuadas. É a elas que se recorre nos momentos de aflição e se reverencia nas ocasiões de júbilo.
As Divindades femininas do panteão yorubá , as iyabás (Ayaba/Aya-oba – rainha) possuem os mesmos atributos das Deusas nas demais civilizações arcaicas, pois as diferenças são apenas culturais, uma vez que os arquétipos – pertencendo ao inconsciente coletivo da espécie humana - são os mesmos.
Nanã é a mãe ancestral, importada das terras do Daomé. É a mulher sábia, a anciã que atingindo a menopausa, já não verte sangue. Por isso retém em si o poder da procriação. Como associada à lama e às águas contidas na terra, liga-se ao processo de fertilidade da terra. Simboliza a maternidade arcaica indiferençada, pois é a mãe de todos os seres, à partir dos moluscos dos pântanos. São seus filhos os mortos e os ancestrais.
Já Yemanjá surge como Mãe do homo sapiens. Como “Mãe dos filhos-peixe” (Iya-omo-ejá), simboliza a vida que veio do mar e também daqueles que saíram do líquido amniótico. É uma divindade do rio que emigra para o mar (domínio de Olokun, que fica então relegado às regiões abissais.
O fascínio de Yemanjá – sob diversos nomes - abrange todas as civilizações do planeta e enriquece o folclore ligado aos seres encantados do mar. Como maternidade educadora, rege a consciência e, portanto, é reverenciada como mãe de todos os seres pensantes - Mãe do homo sapiens.
Oyá é uma Divindade do rio. Seu nome significa “aquela que rasga” – no caso, o rio Niger. É o arquétipo da guerreira, plena de atributos, todos conquistados por esforço próprio, assim como da transformação. Por isso, embora Yemanjá seja a “dona” das mentes, é à Oyá que recorremos nos processos de auto-conhecimento e superação de crises.
Oyá é a própria eletricidade dos raios que transmutam as energias na atmosfera do planeta. Como Senhora dos ventos, distribui as sementes expandindo a Vida e, por outro lado, dissemina as doenças.
Como transita entre as nove dimensões da Terra, preside e está presente também no portal da morte.
Associada ao irrefreável poder animal representado pelo búfalo, carrega chifres, como todas as Divindades lunares nas diversas civilizações. Oyá é a contraparte feminina do Orixá Sango.

De Osun provem as águas, pois ela é o próprio útero da Terra. Senhora da fertilidade, dela depende a Vida no planeta. É interessante considerar que todas as águas, mesmo as dos mares e das chuvas, provem dela – e que toda a água existente na Terra, sempre foi a mesma.
Ela vem das profundezas, dos mananciais que guardam os tesouros - por isso é a dona do ouro e das pedras preciosas – e o segredo da Vida. Osun é a mãe de todos os seres porque preside o processo da gestação, que assegura a continuidade da Vida. Assim, é também a Deusa do amor e da beleza.
É a grande força oculta que opera em silêncio, para irromper na violência das cachoeiras que tudo arrasta e dissolve.
Ocultando o segredo da geração - que é o "milagre" supremo ( que até hoje a ciência reproduz, mas não cria), Osun torna-se também a Senhora da Magia.
Esse poder gerador associa todas as Deusas e, por extensão, todas as mulheres, pois elas detém autoridade decisiva de vida e morte - já que delas depende a sobrevivência das crianças - e são, no plano humano, as representantes naturais da Magia Ancestral.
Esta Magia é associada aos pássaros (símbolo da projeção astral), que em todas as culturas surgem como seres alados, imagens fundamentais da energia feminina superior no Universo.
A representação máxima deste poder são as Iyami Agba, Senhoras da noite e também das fogueiras, arquétipos da coletividade ancestral feminina desde a criação do planeta. É um poder que, mesmo atribuído às mulheres velhas, pode, em certos casos, pertencer igualmente a jovens que o recebam por herança ou o adquiram por direito de linhagem espiritual, através de rituais. O poder do Sagrado Feminino é supremo no aiye (plano material), mas para que o equilíbrio seja mantido, está submetido ao triunvirato supremo logo abaixo de Olodumare (Deus / Absoluto Arquiteto do Universo): Obatalá (Logos solar), Orunmila (Senhor da sabedoria e do oráculo) e Elegbara (o Orixá Eshu – transformador da energia em matéria).

Este é apenas um resumo introdutório. Um aprofundamento requer o estudo dos itan (mitos) do corpo literário de Ifá, pois o assunto é riquíssimo e bastante complexo.