ELIANE HAAS

ELIANE HAAS

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domingo, 28 de outubro de 2012

ESPIRITUALIDADE NA MATURIDADE

“ o ancião detém o acervo da sua ancestralidade. Quando o mundo não cultiva saberes ancestrais , o povo não sabe de onde vem nem para onde vai”.
                                                            Pajé Santixiê Tapuia – do povo Tapuia Fulniô

A partir da meia idade ocorre geralmente uma crise existencial acompanhada, muitas vezes, de uma sensação de vazio e depressão.
Antes voltadas para a realidade externa - na luta pela sobrevivência e realização profissional – as pessoas priorizaram o consciente, relegando o inconsciente a um plano secundário.
Já no processo de envelhecimento, os afetos passam a pesar mais do que os conceitos – que eram ferramentas úteis para o bom desempenho na vida prática, no plano material, tendo como metas, sucesso e poder.

Respeitando os ciclos naturais afetivos, diríamos que, se na infância predomina filos, na vida adulta predominaria eros e na maturidade haveria a necessidade de se vivenciar ágape.
Isto significa honrar os ciclos impermanentes da Vida e feliz daquele que pode cumpri-los todos. A velhice é um deles e, diríamos até, seu ponto culminante.

Sublimando a depressão, prosseguem insistindo em repetir os passos de sempre, fazendo (ou tentando fazer) as mesmas coisas – o que gera frustração, devido as evidentes limitações. Numa sociedade narcisista que cultua a beleza física dentro de um padrão bem particular e idealizado, a velhice se encontrará cada vez mais deslocada.
Perante o desafio de enfrentar mudanças biológicas e psicológicas, alguns acabam numa tentativa patética de perseguição do corpo perfeito, numa solidão crescente perante o declínio inevitável.

Outros já se conscientizam de que responder as demandas emocionais de um corpo perecível, sujeito à dor e à decadência significa manter-se presa de desejos nunca satisfeitos. Voltam-se para o verdadeiro Eu, imortal, invulnerável e independente de um veículo físico.
Procuram compensar a frustração buscando a Espiritualidade. Perante o declínio físico e para fazer frente ao desamparo da finitude eminente, apegam-se a uma fé que lhe assegure a “vida eterna”. Ocorre, frequentemente, o resgate de uma crença familiar e esquecida, não livre de culpa, marcando o retorno a velha religião, reminiscência da sua infância, não raro institucional e dogmática.

- O que significa Espiritualidade para vc ? teria necessàriamente algo a ver com religião ?

Há os que enfrentam o envelhecimento como um processo de amadurecimento ligado a uma reorientação da consciência espiritual.
Passam a cultivar outros valores. Quando voltados para o corpo, haverá de ser para um corpo sadio e harmônico e não para um corpo que corresponda aos vigentes padrões de beleza. Saudável em toda a sua plenitude, servindo de instrumento para um balanço sobre todo o vivido, o fracasso ou a realização das metas estabelecidas, a busca do sentido de uma vida prestes a se encerrar.

Espiritualidade seria um processo de expressão dos níveis mais profundos do inconsciente. Uma conexão entre o Divino Interior e a Suprema Consciência Cósmica, que nos faz sentir parte do Todo. Seria a união dos, até então dissociados, conteúdos distintos da psique. Um processo rumo à transcendência e à integridade.
Nesta vivência da Espiritualidade, à medida que as máscaras – tão úteis para a sobrevivência e o sucesso no plano material - vão caindo, vai-se resgatando aquele ser pré-adolescente, num processo inverso à infância e ao parto. Permanece o que é perene, a essência.
É em forma de essência pura, despidos das cascas do ego, que deveríamos partir daqui.
Quem consegue transmutar conhecimento adquirido em sabedoria, realizou a plenitude do seu Ser, na encarnação atual.

Esse enfoque da Espiritualidade passa pelo autoconhecimento. Não é através de mentalizações da Luz que nos iluminamos, mas sim quando penetramos as regiões abissais da nossa escuridão mais profunda.

Na nossa sociedade atual / ocidental, como consequência do desrespeito à sacralidade da Vida e total desconexão com a Natureza, a velhice é achincalhada e relegada ao afastamento, como estorvo obsoleto.
A civilização do culto ao “agora” - que no momento seguinte já é descartável, valoriza o corpo jovem e suas novidades, num estranhamento as suas origens e com tudo o que veio antes - com o que aqui já estava e com os ciclos evolutivos do próprio Planeta.
Nela o ancião e o peso da sua experiência são desprezados como ultrapassados, pois tudo ocorre de maneira vertiginosa, como se a História pudesse ser reescrita a partir do zero, a cada dia.

Todas as culturas nativas da Terra reverenciam a ancestralidade e honram os anciões como elo que une o que foi ao que será, poi quem não olha e honra de onde veio, dificilmente saberá valorizar e estabelecer metas para onde vai.
As civilizações ditas primitivas respeitam os seus velhos como depositários de uma herança que permitiu que estejamos aqui hoje.
Òbviamente, o simples fato de ter atingido idade avançada não outorga ao idoso legitimidade como guardião das tradições e da sabedoria ancestral do seu povo.
Aquele que não consegue cumprir o processo de integração (consciente/inconsciente), sucumbe, muitas vezes, a um processo de infantilização e até a uma quase demência. Não se poderia, portanto, generalizar e identificar em cada ancião o arquétipo do “velho sábio”, pois há individualidades que não se realizam.

No final da década de 60 surgiu na sociedade ocidental uma experiência cultural transformadora que implantou um novo paradigma voltado para uma concepção holística da Natureza e da Espiritualidade, que contemplava desde o ocultismo metafísico, até as práticas de meditação orientais e de estados alterados de consciência, a filosofia budista, a teosofia e suas ramificações , até a psicologia transpessoal e uma medicina voltada para a manutenção da saúde .
Este movimento eclético e multicultural – conhecido como Nova Era - vem influenciando também uma Espiritualidade alternativa desenvolvida por pessoas que não se alinham as religiões institucionais e dogmáticas.

No limiar do atual milênio há movimentos crescentes de resgate da memória ancestral, onde anciões são reconhecidos como lideranças dos respectivos povos, num propósito de reconexão com os significados essenciais da Vida, para que juntos possamos cuidar do nosso planeta e do bem viver da humanidade na Terra.
Trata-se de uma tomada de consciência rumo a um caminho inverso - que contempla não o consumo desenfreado, mas o respeito aos recursos finitos e a sustentabilidade como valores essenciais para a sobrevivência nossa e dos que virão, incluindo as espécies animais e vegetais. Da mesma forma, a preservação das espécies imateriais, expressões da criação humana, como a música, as artes, a literatura.




Um exemplo disso foi o Encontro do Conselho Internacional das Avós Nativas, realizado em Brasília no ano passado.

Representantes anciães, lideranças das mais diversas etnias da Terra vieram, neste momento tão crítico que o Planeta atravessa, reverenciar, valorizar e discutir o “ontem” através da ancestralidade que nos conduz ao presente e a um futuro que conjugue valores culturais, sociais, econômicos e ecológicos.

Resumo da palestra proferida pela autora na UNIFESO (Centro Universitário Serra dos Órgãos) em 26/10/12.