Reza a lenda que Orunmilà,
ao se afastar da Terra nos primórdios da nossa civilização, deixou as sementes
de dendê (ikin) como instrumento de comunicação que os humanos poderiam
utilizar, sempre que necessitassem do seu aconselhamento.
Orunmilà é intitulado
“testemunha da Criação” – portanto
detentor de conhecimento total, e reconhecido como Orisà da Sabedoria Universal.
Seu sistema oracular
denomina-se Ifà e consiste na
interpretação dos inúmeros versos contidos nas 256 combinações de um sistema binário dividido em oito
marcas - os Odus – padrões ou caminhos através dos quais se manifesta toda a Criação
Universal.
Na consulta a Ifà
utiliza-se o ikin (sementes consagradas do dendezeiro), ou o opele (8 metades
de sementes presas numa corrente, 4 em cada extremidade.).
Cada Odu é sinalizado por dois quadragramas, sendo que nos Odus
principais ambas as pernas são iguais. Nos demais, elas são diferentes – o que
caracteriza a sua interdependência e interrelação. Em geral, o lado direito
representa fatores em manifestação e o
outro, potencialidades
O fundamento do sistema
oracular de Ifà consiste em rituais que conduzem o iniciado, à medida que vai
galgando estágios superiores na hierarquia sacerdotal, a uma conexão cada vez
mais profunda com o Espírito de Luz e Pureza conhecido como Elà.
Elà é a inspiração, o
estado de consciência que se estabelece na consulta oracular. Ifá ensina que quando um Odu é interpretado em
total alinhamento com o Espírito de Elà, ali se ouve a própria voz de Orunmila.
É como se Elà fosse o elemento akáshico que contém os registros do passado, do
presente e do futuro. Este alinhamento se dá através de uma sequência de
ancestralidade espiritual que vai, de Babalawo (sacerdote, Pai do Segredo) a Babalawo, atravessando gerações, até os dois
primeiros discípulos de Orunmilà, Akodà e Asedà.
Para que essa conexão não
se perca e se fortaleça, é importante que ela seja transmitida por via
iniciática e nutrida por um cotidiano totalmente devotado às orações, estudo e
prática.
Quando a sequência dos 16 Odus principais (chamados Odu Méji ou
Olodu) é memorizada e imediatamente identificada, pode-se determinar a
senioridade dos demais 240 Odus, que é a ordem em que chegaram ao mundo. Este procedimento é essencial para que se
possa determinar a orientação do Odu, ou seja, se ele está se manifestando
positiva ou negativamente e resultam numa fórmula que possibilita respostas com
simples sim ou não.
A relação entre os 16 Odus Meji pode ser mapeada de forma
semelhante à Arvore da Vida cabalística. Consiste numa interação entre as
dimensões, através dos 256 portais pelos quais a energia passa de uma dimensão
a outra.
Cada Odu possui princípios metafísicos da polaridade que pode se
manifestar de forma positiva ou negativa – denominados ire e ibi. Ire significa
que um processo de mudança anuncia uma resolução propícia, enquanto que ibi
aponta para uma resistência impedindo que se concretize a resolução efetiva.
Ire representa prováveis resultados, embora tudo dependa do livre-arbítrio
que norteará as atitudes da pessoa. Cabe ao Babalawo averiguar se a pessoa
compreendeu bem, a fim de assegurar a manifestação apontada pelo oráculo.
Existem meios para isso. Muitas vezes está contido no verso do próprio Odu e
pode acontecer da pessoa fazer um Ebò (oferenda) no sentido de canalizar de
forma plena a energia – Asè – que está favorecendo a empreitada.
No caso do Odu se manifestar ibi, caberá ao Babalawo identificar a
origem dessa resistência, para descobrir o caminho que levará o ibi a se
transformar em ire. A função da consulta a Ifá é justamente romper todos os
obstáculos e fazer com que qualquer situação se concretize em ire – a não ser
quando se trata de uma contingência cármica, inevitável do destino. Em princípio todo ibi pode ser transformado em ire, através de ritual de sacrifício.
Interferir nos desígnios cármicos pode, algumas vezes, funcionar
durante certo tempo, mas a recaída é inevitável.
A identificação do tipo de ibi que acomete a situação é o primeiro
passo na Arte da Cura de Ifà.
Se ele provem do Ori (a mente em todos os seus níveis), geralmente
o oráculo pede um Iborì (ritual de energização da cabeça, precedido da
necessária limpeza). No entanto, nem todo problema dessa natureza será sanado
apenas com um ritual mágico, mas será necessária a sua identificação e
transformação através de outros procedimentos. Trata-se, na verdade, de uma cura, e para que ela ocorra, as orientações do Babalawo devem ser
pertinentes e, naturalmente, inspiradas por Elà. Desnecessário salientar que
essa inspiração depende de uma sincera e pura entrega à disciplina ética/espiritual
de Ifà, sem influências egóicas por parte do sacerdote.
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