ELIANE HAAS

ELIANE HAAS

Todas as matérias podem ser veiculadas, desde que citada a fonte.

domingo, 31 de outubro de 2010

RETORNO AO JUDAISMO

Foi na Espanha dominada pelos muçulmanos, à partir do século X, que os judeus espanhóis criaram uma cultura extraordinária, atingindo altíssimos níveis em todos os aspectos do conhecimento. Foi a chamada “Idade de Ouro” dos judeus, época marcada pela genialidade e versatilidade intelectual que, impulsionada pela sofisticada e liberal cultura árabe que florescia na Espanha medieval produziu centenas de obras, tanto no campo da filosofia e teologia judaicas como em todos os ramos da ciência e da literatura.

A erudição e a sede pelo conhecimento dos judeus incluía todos os ramos do conhecimento humano: medicina, matemática, cartografia e astronomia. Os judeus espanhóis – assim como os cristãos – tornaram-se emissários das atividades cientificas e culturais da Espanha pelo resto da Europa.

Na época em que os exércitos de Castela e Aragão reconquistaram, em 1492, o último enclave árabe-muçulmano em Granada, viviam em terras espanholas trezentos mil judeus. Simultaneamente foi promulgado o Édito de Expulsão dos israelitas. O tribunal da Inquisição, chamado Santo Ofício, foi instalado em 1478 como estratégia do rei Fernando para eliminar a presença de não-cristãos no seu reino. Na prática teve também forte motivação econômica, pois tendo financistas judeus fornecido o dinheiro que o rei Fernando usou para se casar com Isabel de Castela, esses débitos seriam extintos se o financiador fosse expatriado ou condenado e morto.

Com o Édito de Expulsão, dos trezentos mil judeus avalia-se que cem mil conseguiram se retirar do território espanhol praticamente com a roupa do corpo, dirigindo-se ao vizinho Portugal. Dos duzentos mil restantes, metade preferiu deixar a Península Ibérica, refugiando-se na França, Itália, Holanda e também nos territórios do Império Otomano. Seus descendentes formam hoje o grupo de judeus denominado sefaradim (Sefarad significa Espanha em hebraico).

Apesar de terem deixado para trás seus bens materiais, esses que partiram de Espanha e Portugal puderam preservar sua identidade judaica, ao contrário dos muitos que não quiseram ou não conseguiram sair. Os cem mil que se refugiaram em terras lusas não poderiam prever que, apenas cinco anos depois, em 1497, passariam por situação ainda pior do que a vivenciada na Espanha.

O rei de Portugal, Dom Manuel, prometeu transporte marítimo para a Terra Santa, mas convocou um exército de religiosos cristãos munidos de grande quantidade de água “benta”, que foi aspergida sobre as multidões que se espremiam à beira dos cais de Lisboa e do Porto. À espera de navios que jamais chegaram, acabaram sendo batizados à força. Era o domingo de Ramos de 1497 e aquela pobre gente, que chegou esperançosa ao cais, retornou para casa com água escorrendo pelos rostos. Já não eram judeus, mas “cristãos” e a água benta se confundia com suas próprias lágrimas. As Sinagogas de Portugal foram lacradas, seus Rabinos presos e mortos. O Judaísmo passou a ser praticado clandestinamente no interior dos lares, sob risco de condenação que ia das mais aviltantes torturas até à fogueira.

Em 1500, a descoberta do Brasil tproporcionou a possibilidade de se transferirem para um enorme território que oferecia, além de novas perspectivas econômicas, um distanciamento do clima de denúncias e perseguições da metrópole. Assim, milhares de judeus se dirigiram para o Brasil. Teòricamente, após 1497, não poderiam mais existir judeus em Portugal e suas colônias. Só cristãos-novos - os convertidos à força - e os velhos.

A Inquisição em Portugal foi introduzida em 1536 tendo sido oficialmente extinta em 1821. No Brasil, várias visitações do Santo Ofício resultaram em denúncias e processos oorreram nos séculos XVII e XVIII, subordinados ao Tribunal de Lisboa.

Todavia, em 1624, ou seja, cento e vinte e sete anos após o malfadado “batismo em pé” os holandeses conquistaram Salvador, Bahia. A permanência holandesa na Bahia, ao contrário do que viria a acontecer em Pernambuco tempos depois, foi curta, tendo durado apenas um ano. Nessa invasão holandesa de Salvador aconteceu um fato surpreendente: nada menos que a metade da população de origem européia da cidade retornou à fé judaica, aproveitando o fato dos holandeses / huguenotes, ao contrário dos portugueses / católicos, permitirem liberdade religiosa aos fiéis de outras crenças. Essa alegria durou pouco, pois com a retomada da cidade pelos portugueses, no ano seguinte, os judeus foram duramente reprimidos, tendo que fugir para regiões as mais remotas possíveis para não morrer nas fogueiras da Inquisição.

Em 1630, quando os holandeses tomaram Recife e Olinda, lá permanecendo por vinte e quatros anos, ressabiados com o que havia ocorrido na Bahia, apenas um quarto se assumiu publicamente. Esses números, além de revelar a enorme quantidade de judeus existentes no Brasil Colônia, atestam o que os historiadores já comprovaram: o Brasil é o país com o maior quantitativo de descendentes de judeus convertidos ao catolicismo do mundo e que as perseguições a que estiveram sujeitos fez com que essa condição fosse mantida em segredo restrito ao ambiente familiar, não raro por várias gerações.

Pesquisas da Professora Anita Novinsky, da USP, avaliam que um em cada quatro habitantes caucasianos do Brasil tenha sangue judeu correndo em suas veias, ou seja, um número impressionante que oscila de vinte a vinte e cinco milhões de pessoas. Alguns ignoram o fato, mas diversos grupos esparsos em diversas regiões, ao analisar certos hábitos familiares, começaram a se dar conta de que descenderiam de judeus.

Aí caímos na chamada “questão Anussim”, ou seja, o voluntário retorno à religião judaica dos anussim, ou seja, descendentes de judeus espanhóis e portugueses obrigados a se converter ao catolicismo há mais de quinhentos anos.

Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil e demais países da América Latina, podem ser realizados “retornos” plenamente reconhecidos pelo Rabinato de Israel. Para tal, tem vindo ao Brasil rabinos americanos com a finalidade de realizar os rituais necessários para que essas pessoas se tornem judias.

À exemplo do que ocorreu com a população afro-descendente no Brasil, mais uma vez se pode constatar a pujança das práticas religiosas que, a despeito de conversões forçadas pelo proselitismo violento e intolerante do cristianismo, permaneceram vivas durante várias gerações para desabrochar quando uma pequena oportunidade se dá.

Por mais que o cristianismo não queira admitir, mesmo às custas dos mais variados tipos de imposição, ele jamais alcançará unânimidade. A pluralidade de crenças é, e sempre será, constante e salutar dentro dos anseios da espiritualidade humana.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

CHEGAMOS AO PONTO DE MUTAÇÃO

Hoje, mais do que nunca em tempos que a História registra, o Espiritual e o Ecológico se interligam. Não há como pensar e praticar o Espiritual sem considerar que a nossa Casa, o ambiente que nos sustenta, onde atualmente vivemos e nos manifestamos, atravessa uma crise de graves proporções pela qual somos todos responsáveis.
Podemos dizer que estamos atingindo o Ponto de Mutação.
Como um convite à reflexão,aqui vão uma mensagem do Chefe Sioux Red Crow e um oportuno artigo de Leonardo Boff.
PESSIMISMO CAPITALISTA E DARWINISMO SOCIAL - Leonardo Boff
Que fazer quando uma crise como a nossa se transforma em sistêmica, atingindo todas as áreas e mostra mais traços destrutivos que construtivos? É notório que o modelo social montado já nos primórdios da modernidade, assentado na magnificação do eu e em sua conquista do mundo em vista da acumulação privada de riqueza não pode mais ser levado avante. Apenas os deslumbrados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, acreditam ainda neste projeto que é a racionalização do irracional.
Hoje percebemos claramente que não podemos crescer indefinidamente porque a Terra não suporta mais nem há demanda suficiente. Este modelo não deu certo, pelas perversidades sociais e ambientais que produziu. Por isso, é intolerável que nos seja imposto como a única forma de produzir como ainda querem os membros do G-20 e do PAC. A situação emerge mais grave ainda quando este sistema vem apontado como o principal causador da crise ambiental generalizada, culminando com o aquecimento global. A perpetuação deste paradigma de produção e de consumo pode, no limite, comprometer o futuro da biosfera e a existência da espécie humana sobre o planeta. Como mudar de rumo? É tarefa complexíssima. Mas devemos começar. Antes de tudo, com a mudança de nosso olhar sobre a realidade, olhar este subjacente à atual sociedade de marcado: o pessimismo capitalista e o darwinismo social.
O pessimismo capitalista foi bem expresso pelo pai fundador da economia moderna Adam Smith (1723-1790), professor de ética em Glasgow. Observando a sociedade, dizia que ela é um conjunto de indivíduos egoistas, cada qual procurando para si o melhor. Pessimista, acreditava que esse dado é tão arraigado que não pode ser mudado. Só nos resta moderá-lo. A forma é criar o mercado no qual todos competem com seus produtos, equilibrando assim os impulsos egoistas.
O outro dado é o darwinismo social raso. Assume-se a tese de Darwin, hoje vastamente questionada, de que no processo da evolução das espécies sobrevive apenas o mais forte e o mais apto a adaptar-se. Por exemplo, no mercado, se diz, os fracos serão sempre engolidos pelos mais fortes. É bom que assim seja, dizem, senão a fluidez das trocas fica prejudicada. Há que se entender corretamente a teoria de Smith. Ele não a tirou das nuvens. Viu-a na prática selvagem do capitalismo inglês nascente. O que ele fez, foi traduzi-la teoricamente no seu famoso livro: "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"(1776) e assim justificá-la. Havia, na época, um processo perverso de acumulação individual e de exploração desumana da mão de obra. Hoje não é diferente. Repito os dados já conhecidos: os três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoismo? Smith, preocupado com esta barbárie e como professor de ética, acreditava que o mercado, qual mão invisível, poderia controlar os egoismos e garantir o bem estar de todos. Pura ilusão, sempre desmentida pelos fatos.
Smith falhou porque foi reducionista: ficou só no egoismo. Este existe mas pode ser limitado, por aquilo que ele omitiu: a cooperação, essencial ao ser humano. Este é fruto da cooperação de seu pais e comparece como um nó-de-relações sociais. Somente sobrevive dentro de relações de reciprocidade que limitam o egoismo. É verdade que egoismo e altruismo convivem. Mas se o altruismo não prevalecer, surgem perversões como se nota nas sociedades modernas assentadas na inflação do "eu" e no enfraquecimento da cooperação. Esse egoismo coletivo faz todos serem inimigos uns dos outros.
Mudar de rumo? Sim, na direção do "nós", da cooperação de todos com todos e na solidariedade universal e não do "eu" que exclui. Se tivermos altruismo e compaixão não deixaremos que os fracos sejam vítimas da seleção natural. Interferiremos cuidando-os, criando-lhes condições para que vivam e continuem entre nós. Pois cada um é mais que um produtor e um consumidor. É único no universo, portador de uma mensagem a ser ouvida e é membro da grande família humana.
Isso não é uma questão apenas de política, mas de ética humanitária, feita de solidariedade e de compaixão.

sábado, 16 de outubro de 2010

O USO DA AYAHUASCA

Desde a introdução da agricultura e os conseqüentes festivais de culto à fertilidade, aparecem vestígios de divinização da natureza e do uso cerimonial de cogumelos e plantas sagradas como elo de ligação com o Divino, ou seja, as primeiras hierofanias vegetais. Ainda nos primórdios da civilização hindu encontramos no Rig-Veda alusões ao Soma, consumido ritualmente em cerimônias dedicadas ao deus Indra. Deve ser o mesmo Haoma, citado no Zend-Avesta, atribuído a Zoroastro, na Pérsia.

O Velho Testamento menciona uma planta, cálamo, cantada e louvada pelo rei Salomão. Um estudo dos mitos de todas as civilizações vem constatar a ação direta de enteógenos na simbologia e arquétipos que no inconsciente coletivo se apresentam. A Mente Vegetal vem proporcionando à Mente Humana "revelações" sempre idênticas, expressadas através de experiências de êxtase comuns às mais diversas tradições, culturas e épocas através da história. O uso mágico-religioso da Ayahuasca, também denominada caapi ou yagé, passou das malocas da selva amazônica para alguns povoados da região, onde se mesclou com o catolicismo, o espiritismo, a pajelança e outros cultos de origem africana. O uso da Ayahuasca foi, durante séculos, difundido dentre as várias tribos indígenas da região. Absorvendo o espírito das duas plantas, passavam por experências psíquicas e vivenciavam fenômenos paranormais como telepatia, premonição, regressão a vidas passadas, contatos com espíritos de desencarnados, com encantados e elementais da natureza, realizavam viagens astrais. É conhecida também a função terapêutica da Ayahuasca, na identificação de doenças e prescrição de tratamentos. No início do séc.XX, com o intercâmbio cultural entre índios e seringueiros, a Ayahuasca passou a ser conhecida e usada pelos nordestinos que colonizaram a Amazônia ocidental.

Destes contatos surgiram grupos que sincretizaram o seu uso com o catolicismo popular, normatizando doutrinas de grande penetração urbana.

Raimundo Irineu Serra (1892 / 1971) foi um dos que realizou trabalhos com a Ayahuasca , criando a estrutura ritual / cerimonial de uma doutrina sincrética absolutamente brasileira, por ele rebatizada de "Santo Daime" : dai-me Luz, dai-me Amor. Fundou o Centro de Iluminação Cristã de Luz Universal (CICLU) promovendo assim um xamanismo coletivo onde todos - e não só o xamã - passaram a compartilhar ativamente a bebida sacramental.

À partir de 1934, o Mestre Irineu começa a organizar o seu trabalho, estabelecendo normas rituais, de fardamento, de bailado, de hinários e de calendário oficial, sempre fundamentado no cristianismo - o que, na época, foi decisivo para tornar a doutrina do Santo Daime polìticamente correta num ambiente de preconceitos e perseguição aos vegetalistas nativos. Do seu núcleo saíram várias dissidências e ramificações, destacando-se a Barquinha e o Cefluris.

Em 1961, José Gabriel da Costa (1922 / 1971) fundou a União do Vegetal, a UDV, na Amazônia, em região próxima à fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Quatro anos mais tarde mudou-se para Porto Velho, onde consolidou a instituição que no final do séc. XX já era a maior usuária da Ayahuasca, por ele denominada Hoasca.

O crescimento e difusão das diversas denominações religiosas que utilizam a Ayahuasca gerou resistência nos setores conservadores da sociedade, que pressionou o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. No entanto, a 2 de junho de 1992, após acuradas investigações, o Conselho decidiu liberar definitivamente a utilização da bebida para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Confen, Ester Kosovsky, "a investigação, desenvolvida desde 1985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas". O uso religioso da Ayahuasca foi reconhecido como prática legal pelo Conselho Nacional Antidrogas (Conad), após décadas de controvérsias entre usuários e autoridades brasileiras sobre se a bebida seria ou não alucinógena.

A resolução admite juridicamente a legitimidade do consumo da bebida psicoativa preparada com plantas amazônicas e usada pelos mais de 12 mil seguidores da União do Vegetal, Santo Daime e outras entidades, sempre em rituais religiosos.

Defendida pelos religiosos de todas as instituições usuárias como detentora de dons divinos, capaz de ampliar a sensibilidade humana para além da percepção normal, há mais de 40 anos, gerações vem bebendo a Ayahuasca - sob várias denominações - em rituais , tendo a oportunidade de presenciar uma profunda transformação em suas vidas.

Procurando a "unio mistica", a fusão do Eu com o Absoluto, busca no plano individual, insights reveladores para a dis-solução de conflitos internos, através do auto-conhecimento, da compreensão de padrões cármicos e suas transformações. Atua, portanto, como instrumento de auto-conhecimento e transformação. Plenamente inserido na filosofia da Era de Aquário, a prática neo xamânica abrange várias técnicas absorvidas pelas tradições formais e esotéricas (como orações, mantras, utilização de cristais, respiração holotrópica).

A Ayahuasca é um portal onde circulam energias universais. Por isso só agrega - não segrega nem desagrega. Nela e com ela trabalham egrégoras das mais diversas tradições. Todos somos membros de uma única família universal, todos temos uma contribuição a dar. A Terra é o nosso lar atual, a Mãe que nos gera, nutre e acolhe. Todos os seus filhos - pertencentes ao reino a que pertencerem - cumprem uma missão dentro do plano universal e merecem todos, igual reverência e respeito.

domingo, 3 de outubro de 2010

MÚSICA É MEDITAÇÃO. MEDITAÇÃO É MÚSICA

“Música é meditação e meditação é música. A iluminação que podemos obter através da meditação, podemos alcançá-la também através da música”. Hazrat Inayat Khan

Como o som, a música e a dança impuseram ordem e harmonia ao caos resultante da criação do mundo, explica o seguinte mito japonês:

Amaterasu, a Deusa do Sol, buscou refugio numa caverna e com isso, o mundo tronou-se frio e inóspito. Não havia mais luz solar e tudo era caos e desolação. Em vista disso, Izanagi, o Deus Criador, amarrou seis arcos gigantes uns aos outros, criando a primeira harpa. Ele mesmo tocava lindas melodias. Encantada com elas, apareceu a deslumbrante ninfa Ameno Uzumi. Enfeitiçada pela música da harpa, começou a dançar e, finalmente, a cantar. Amaterasu quis ouvir melhor música que chegava até ela e olhou para fora da caverna. No mesmo instante, o mundo viu-se banhado de luz. O Sol veio para ser visto e fazer sentir seu calor. As plantas, as flores e as árvores começarem a crescer. Os peixes os pássaros, os animais quadrúpedes e os homens perceberam a Terra repleta de luz. Os Deuses decidiram cultivar a música e a dança para que a Deusa do Sol, Amaterasu, nunca mais precisasse retornar à caverna. Eles sabiam que fora o Sol quem produzira a Vida, mas, sem a música da harpa de seis grandes arcos e sem o canto da ninfa, Ameno Uzumi, a Deusa do Sol jamais teria ocupado seu lugar no trono celestial, mas permanecido na caverna por toda a eternidade.

E foi assim que o mundo começou: com o som, a música e a dança.

Todos os povos da Terra têm seus mitos sobre o começo do mundo através do som.

No Egito, o “sol cantante” criou o mundo com seu “grito de luz”. Segundo a mitologia asteca, inaudível e imóvel era o Criador. No entanto, certo dia ele arremessou a montanha para longe de si, rompeu o silencio e cantou: faça-se o mundo.

Para todos os povos, a música e o Divino estão intimamente ligados. Na cultura yorubá as rezas são cantadas e o ritmo dos tambores é o mensageiro que convoca a presença dos Deuses.

Diz-se do Deus Brahma que “ele meditou durante cem mil anos e o resultado da meditação foi a criação do som e da música”.

No diálogo Timeu, Platão, inspirando-se em Pitágoras, conta que o Criador fez a alma do Cosmos segundo intervalos e proporções musicais.

Então, para a maioria dos povos, foram os Deuses que criaram e transmitiram a música aos homens.

Em Bali conta-se que o deus Shiva tirou o som de um estado caótico e organizou um sistema através da flautas de bambu, criando a música.

Os grandes sábios da antiguidade eram também músicos. Ainda hoje, deveria ser dada grande importância ao aprendizado de um instrumento musical, não só para o aprimoramento da sensibilidade, mas também para o exercício da concentração, pois exige que a atenção seja focada para um só ponto, num exato momento, trazendo inúmeros benefícios como precisão nos reflexos, disciplina, persistência e apreço pelos detalhes. Durante séculos, os mestres Zen ensinaram aos discípulos: “Faça uma só coisa de cada vez. Repetidas vezes. Faça-a completamente. Não pense em mais nada. Nem no que foi nem no que virá. Pense no agora”.

A música se desvanece fora do aqui e agora.

O Livro Tibetano dos Mortos relata que a pessoa falecida ouve inúmeros tipos de instrumentos musicais durante sua viagem no estado intermediário entre a morte e a encarnação seguinte.

Instrumentos que “enchem Universos inteiros com música que os faz vibrar, agitar-se e tremer, pois os sons são tão poderosos que chegam a entorpecer a mente”.

Os antigos chineses consideravam a visão um sentido Yang. Ou seja, masculino, agressivo, dominador e orientado para a razão, para a superficialidade e para a análise. Já a audição seria um sentido Yin, feminino, receptivo, intuitivo e espiritual - que perscruta o interior e concebe o Todo na sua Unidade.

O que chamamos “música” na nossa linguagem cotidiana é apenas uma caricatura daquela música ou harmonia de todo o Universo por trás de tudo o que existe e que é a origem da Natureza. É considerada uma arte sagrada, pois suas possibilidades são infinitas.

Já que o Divino Arquiteto criou o mundo do som, e visto que o som e a música foram dados à humanidade pelos Deuses, pode-se constatar que, na maioria das culturas, é a música que revela ao homem a presença do Divino e os mais profundos segredos da Criação.

Todas as religiões – que são o meio que, desde os primórdios, o ser humano estabeleceu para acessar ou se re-ligar com a fonte de Vida de onde proveio – utilizam a música em seus rituais. Quanto menos racional, mais forte é a sua conexão com a nossa centelha Divina.

Partindo desse conceito, aqui incluimos um exemplo dos vários tipos de música que utilizamos nas práticas meditativas dos nossos trabalhos neo xamânicos no Céu da Águia Dourada.