ELIANE HAAS

ELIANE HAAS

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sábado, 16 de outubro de 2010

O USO DA AYAHUASCA

Desde a introdução da agricultura e os conseqüentes festivais de culto à fertilidade, aparecem vestígios de divinização da natureza e do uso cerimonial de cogumelos e plantas sagradas como elo de ligação com o Divino, ou seja, as primeiras hierofanias vegetais. Ainda nos primórdios da civilização hindu encontramos no Rig-Veda alusões ao Soma, consumido ritualmente em cerimônias dedicadas ao deus Indra. Deve ser o mesmo Haoma, citado no Zend-Avesta, atribuído a Zoroastro, na Pérsia.

O Velho Testamento menciona uma planta, cálamo, cantada e louvada pelo rei Salomão. Um estudo dos mitos de todas as civilizações vem constatar a ação direta de enteógenos na simbologia e arquétipos que no inconsciente coletivo se apresentam. A Mente Vegetal vem proporcionando à Mente Humana "revelações" sempre idênticas, expressadas através de experiências de êxtase comuns às mais diversas tradições, culturas e épocas através da história. O uso mágico-religioso da Ayahuasca, também denominada caapi ou yagé, passou das malocas da selva amazônica para alguns povoados da região, onde se mesclou com o catolicismo, o espiritismo, a pajelança e outros cultos de origem africana. O uso da Ayahuasca foi, durante séculos, difundido dentre as várias tribos indígenas da região. Absorvendo o espírito das duas plantas, passavam por experências psíquicas e vivenciavam fenômenos paranormais como telepatia, premonição, regressão a vidas passadas, contatos com espíritos de desencarnados, com encantados e elementais da natureza, realizavam viagens astrais. É conhecida também a função terapêutica da Ayahuasca, na identificação de doenças e prescrição de tratamentos. No início do séc.XX, com o intercâmbio cultural entre índios e seringueiros, a Ayahuasca passou a ser conhecida e usada pelos nordestinos que colonizaram a Amazônia ocidental.

Destes contatos surgiram grupos que sincretizaram o seu uso com o catolicismo popular, normatizando doutrinas de grande penetração urbana.

Raimundo Irineu Serra (1892 / 1971) foi um dos que realizou trabalhos com a Ayahuasca , criando a estrutura ritual / cerimonial de uma doutrina sincrética absolutamente brasileira, por ele rebatizada de "Santo Daime" : dai-me Luz, dai-me Amor. Fundou o Centro de Iluminação Cristã de Luz Universal (CICLU) promovendo assim um xamanismo coletivo onde todos - e não só o xamã - passaram a compartilhar ativamente a bebida sacramental.

À partir de 1934, o Mestre Irineu começa a organizar o seu trabalho, estabelecendo normas rituais, de fardamento, de bailado, de hinários e de calendário oficial, sempre fundamentado no cristianismo - o que, na época, foi decisivo para tornar a doutrina do Santo Daime polìticamente correta num ambiente de preconceitos e perseguição aos vegetalistas nativos. Do seu núcleo saíram várias dissidências e ramificações, destacando-se a Barquinha e o Cefluris.

Em 1961, José Gabriel da Costa (1922 / 1971) fundou a União do Vegetal, a UDV, na Amazônia, em região próxima à fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Quatro anos mais tarde mudou-se para Porto Velho, onde consolidou a instituição que no final do séc. XX já era a maior usuária da Ayahuasca, por ele denominada Hoasca.

O crescimento e difusão das diversas denominações religiosas que utilizam a Ayahuasca gerou resistência nos setores conservadores da sociedade, que pressionou o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. No entanto, a 2 de junho de 1992, após acuradas investigações, o Conselho decidiu liberar definitivamente a utilização da bebida para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Confen, Ester Kosovsky, "a investigação, desenvolvida desde 1985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas". O uso religioso da Ayahuasca foi reconhecido como prática legal pelo Conselho Nacional Antidrogas (Conad), após décadas de controvérsias entre usuários e autoridades brasileiras sobre se a bebida seria ou não alucinógena.

A resolução admite juridicamente a legitimidade do consumo da bebida psicoativa preparada com plantas amazônicas e usada pelos mais de 12 mil seguidores da União do Vegetal, Santo Daime e outras entidades, sempre em rituais religiosos.

Defendida pelos religiosos de todas as instituições usuárias como detentora de dons divinos, capaz de ampliar a sensibilidade humana para além da percepção normal, há mais de 40 anos, gerações vem bebendo a Ayahuasca - sob várias denominações - em rituais , tendo a oportunidade de presenciar uma profunda transformação em suas vidas.

Procurando a "unio mistica", a fusão do Eu com o Absoluto, busca no plano individual, insights reveladores para a dis-solução de conflitos internos, através do auto-conhecimento, da compreensão de padrões cármicos e suas transformações. Atua, portanto, como instrumento de auto-conhecimento e transformação. Plenamente inserido na filosofia da Era de Aquário, a prática neo xamânica abrange várias técnicas absorvidas pelas tradições formais e esotéricas (como orações, mantras, utilização de cristais, respiração holotrópica).

A Ayahuasca é um portal onde circulam energias universais. Por isso só agrega - não segrega nem desagrega. Nela e com ela trabalham egrégoras das mais diversas tradições. Todos somos membros de uma única família universal, todos temos uma contribuição a dar. A Terra é o nosso lar atual, a Mãe que nos gera, nutre e acolhe. Todos os seus filhos - pertencentes ao reino a que pertencerem - cumprem uma missão dentro do plano universal e merecem todos, igual reverência e respeito.

Um comentário:

jorgemautone disse...

No dia 27 de setembro de 2004 experimentei o Santo Daime. Foi uma decisão que custei muito a tomar, pois o preconceito mesmo para aqueles que se dizem desprovidos dele como eu, muitas vezes consegue nos alcançar nos distanciando de coisas boas, maravilhosas e esclarecedoras como é a Ayahasca.
Para mim revelou de maneira clara e nítida a raiz de meu principal problema, oriundo de minha última encarnação, e principalmente me ensinou a tentar perdoar meu próximo, por mais que seja difícil...
Desde esse dia sempre que posso volto a buscar novas e reveladoras informações sobre mim, o cosmos e até muitas vezes o papel que muitas pessoas fazem em minha vida karmica.
Lamento que hoje o consumo desta bebida sagrada esteja sendo atacado por ignorantes e preconceituosos, pessoas que querem monopolizar as mentes humanas fazendo das mesmas uma massa homogênea.
Poderia escrever um livro sobre mas lições que tomei com Ayahasca mas quando li seu artigo o julguei muito bem posto e mais uma vez quero com todo respeito lhe oferecer parabens e toda minha admiração.