Freqüentemente recebo mensagens indagando qual seria, na minha opinião, a orientação para uma formação espiritual básica que proporcione o necessário discernimento, diante da enorme quantidade de bibliografia específica de que dispomos neste limiar do séc. XXI.
Desde que comecei, a partir dos onze anos de idade, a indagar sobre o porquê da nossa vida neste planeta, nossa origem, destino e o que estaria por trás da imensidão do cosmos, passei a ler àvidamente sobre a história das religiões, interessada principalmente nos seus aspectos esotéricos.
Numa época em que ficávamos restritos a umas poucas obras, a maioria em espanhol, pude encontrar na biblioteca do meu avô vários livros sobre Ocultismo, Alquimia e Cabalá. Anos depois, filiei-me à Ordem Rosacruz (AMORC) e estudei Raja Yoga com Caio Miranda.
Tendo acesso à obra de Helena Blavatsky - que, apesar de já ultrapassar um século, permanece atual e insuperável - pude usufruir de uma formação séria e bastante consistente.
Apesar de dispormos atualmente de uma profusão de publicações, a relevância dos estudos de Blavatsky é o prumo seguro para uma avaliação acurada das tantas linhas que levam a práticas arbitrárias e sem fundamento, na maioria das vezes frutos de imaginação delirante que, infelizmente, ostentam como salvo-conduto o rótulo da “Nova Era” como se fosse um selo de garantia.
A Teosofia
θεοσοφία (Theosophia) é a Sabedoria dos Deuses, como θεογονία (Theogonia) é a Genealogia dos Deuses. A palavra θεός, em grego significa um Deus, um dos Seres Divinos, e de modo algum "Deus", no sentido que o monoteísmo confere ao termo.
O nome Teosofia aparece no séc. III da nossa era, usado por Amonio Saccas, fundador da Escola Eclética de Alexandria e pai do Neoplatonismo, mas já era conhecido antes da Dinastia Ptolomaica, formulada por um certo hierofante de nome Pot Amun. Na Idade Media Jacob Boehme era tido como teósofo e na filosofia hindu já era conhecida como Brahma-Vidya, ou seja, Ciência Divina. A partir da fundação da Sociedade Teosófica por Helena Blavatsky, a ela ficou associada.
Na verdade a Teosofia não se identifica com quaisquer culturas religiosas específicas, mas com a fonte original do conhecimento Divino que verte em uma determinada cultura através da simbologia e dos mitos e arquétipos próprios, assimilando assim os conceitos. Assim foi no Egito, na Grécia, na Suméria, na Babilônia, em todas as culturas, demonstrando assim que a Teosofia é uma sabedoria única que se manifesta por diversas fontes, em roupagens diversas.
Blavatsky valeu-se de uma grande quantidade de elementos do Hinduismo, utilizando terminologia baseadoa no sânscrito e popularizando no ocidente conceitos como Maya (ilusão), Dharma (caminho) e Karma (lei de causa e efeito) . Embora o seu conceito de reencarnação seja diferente do da Doutrina Espírita, não caracteriza a Teosofia como uma filosofia oriental, pois referências a outras culturas e sistemas, como o Budismo, oTao, a Cabalá, ou o Hermetismo caracterizam-na como universal.
A Teosofia prega ideais de fraternidade universal, a origem espiritual das formas e dos seres e sua evolução e a unidade de toda a Vida, proveniente de uma fonte única e eterna, estudando as suas transformações ao longo das eras.
Helena Petrovna Blavatsky (1831/1891)
Nascida em Yekaterinoslav, na atual Ucrânia, empreendeu, ainda jovem, longas viagens principalmente pelo oriente em busca de conhecimento filosófico, espiritual e esotérico, entrando em contato com vários mestres de sabedoria.
Deles tornou-se discípula, realizando vários rituais de iniciação que desenvolveram seus poderes espirituais.
Numa das suas incontáveis viagens pela Europa, norte da África, Mediterrâneo, Cáucaso, Oriente Médio e Extremo Oriente, foi iniciada no Budismo Tibetano pelo Mestre Koot Humi, em Shigatsé, onde permaneceu por três anos.
Segundo consta, encontrou-se com o Mestre Morya em Londres, por ocasião do seu vigésimo aniversário. O Mestre era um príncipe Rajput que integrava uma missão diplomática na Inglaterra e Blavatsky reconheceu-o de visões e sonhos que tinha desde a infância.
A partir de 1873, seguiu instruções dos seus Mestres, estabelecendo-se nos Estados Unidos, onde em pouco tempo se tornou uma figura tão celebrada quanto polêmica. Exibiu seus poderes psíquicos para grande número de pessoas, deslumbrando a muitos e, como não poderia deixar de ser, despertando o ceticismo em outros, que não raro a acusaram de embuste. Lá estabeleceu um duradouro vínculo de trabalho com Henry Olcott, com quem, mediante instrução do mestre Morya, fundou a Sociedade Teosófica.
A principio tinha por objetivo principal investigar os fenômenos espíritas, pois na época floresciam as mesas falantes e toda sorte de truques que, na penumbra, pretendiam confirmar supostos fenômenos de materialização de mortos. Mas a intenção principal sempre foi o estudo comparativo das antigas tradições religiosas e o desenvolvimento de poderes latentes no ser humano.
Em 1877 publicou sua primeira obra importante, “Isis sem Véu” e, à partir daí, começou a atrair atenção internacional, devido à qualidade e novidade dos seus escritos, aglutinando em torno de si parte da intelectualidade novaiorquina.
Pouco depois transferiram a sede da Sociedade para a Índia, onde permanece.
De volta à Europa em 1884, continuou escrevendo e divulgando a Teosofia através de artigos e publicou a sua obra mais importante, “A Doutrina Secreta”.
Seus últimos anos de vida foram difíceis, com muitas doenças, querelas e polêmicas, uma vez que não se enquadrava nas mentalidades das teologias tradicionais e abalou os alicerces de quase todas as religiões estabelecidas. Só por afirmar que não há religião certa ou errada e que todas, em essência, são iguais, já foi uma motivo para angariar inimigos ferrenhos.
Seu lema para a Sociedade teosófica passou a ser : “Não há religião superior à Verdade”.
Dedicou-se intensamente a atividade literária, dando impulso a Sociedade Teosófica e ultimando a finalização da Doutrina Secreta, após fixar-se em Londres, à partir de 1887, até o ano de sua morte, em 1891.
Blavatsky surgiu em um momento histórico em que as religiões, com suas posições retrógradas e incapacidade para explicar as questões fundamentais da Vida e da Natureza, estavam desacreditadas em decorrência do progresso científico e tecnológico.
Da mesma forma que no atual momento, na época surgiam várias escolas de pensamento esotérico ou alternativo, a maioria delas – como hoje - com base conceitual fraca, baseadas na intuição ou em dotes paranormais autoproclamados e questionáveis.
Cabe ressaltar que foi Blavatsky a primeira escritora a mencionar os Mestres da Grande Fraternidade Branca, hoje tão em voga e tão deturpados por um tipo de familiaridade que lhes atribui a “canalização” de uma quantidade de textos de qualidade duvidosa.
Sem a intenção de fundar uma nova religião ou reivindicar infalibilidade, ela jamais cobrou para si a propriedade autoral dos ensinamentos que divulgou. Pelo contrário, atribuiu o imenso conhecimento das fontes citadas aos Mestre Ascencionados Morya e Koot Humi, que lhe ditavam os textos através do método tulku, que não é psicografia. Requer que o mediador tenha passado por treinamento especial onde suas capacidades psíquicas são disciplinadas e atuam através de uma mediação ativa e consciente. Enquanto que a mediunidade é praticada com entidades desencarnadas, no tulku as mensagens provem de pessoas encarnadas, embora ausentes em corpo físico.
Diante da magnitude da obra e o curto tempo de uma vida de 59 anos é concebível que tenham realmente ocorrido essas transferências de consciência.
Blavatsky apresentou ao mundo ocidental uma síntese das inúmeras fontes filosóficas, científicas e religiosas, especialmente do oriente, organizando-as em um corpo de conhecimento estruturado, lógico e coerente, compondo uma visão grandiosa e positiva do Universo, da Terra e seus habitantes.
Reafirmou o Divino, abrindo diálogo com as ciências, combatendo o dogmatismo e a superstição, a intolerância e o preconceito, incentivando a pesquisa e o pensamento independente.
Atacou tanto o materialismo e ceticismo arrogantes da Ciência, como a fé cega e robotizada das religiões que exigem crença dogmática, sem questionamento.
Assim, a Teosofia se tornou, apesar das contestações e ataques, um muito bem sucedido sistema de pensamento eclético, estabelecendo uma ponte entre a Sabedoria Arcaica e o Pragmatismo Moderno, influenciando várias gerações de estudiosos não engajados e buscadores das verdades não censuradas que, sem se aterem a crendices infundadas, estão sempre dispostos a rever suas posições.
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